No último dia 4, a Advocacia-Geral da União (AGU) aprovou o Parecer nº 20/2024, elaborado pela Consultoria-Geral da União (CGU), fixando o entendimento de que a imunidade tributária recíproca abrange imóveis da União e de entidades federais que estejam em uso de concessionárias na prestação de serviço público.

Não obstante, o parecer defende que o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) pode incidir sobre áreas que não estejam vinculadas à prestação do serviço público, ou seja, na hipótese de imóvel utilizado em atividades meramente econômicas a imunidade seria afastada e o imposto poderia ser cobrado.

De acordo com as diretrizes constitucionais, a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios detêm o poder de tributar [1]. No entanto, esse exercício não se faz de modo absoluto. O constituinte originário atribui a cada uma das pessoas jurídicas de direito público, mas existem determinadas situações — ora objetivas, ora subjetivas, ora mistas —, contempladas por regras imunizadoras, que estão fora do âmbito de competência tributária dos mencionados entes federativos.

Isso porque, como se sabe, a imunidade traduz verdadeira limitação ao poder de tributar, resguardando um espectro constitucional de hipóteses não tributáveis, eis que ali sequer há competência passível de ser exercida.

Nesse contexto, vale lembrar que a interpretação das imunidades tributárias prevista na Magna Carta é um tema que sempre suscitou inúmeros questionamentos na doutrina e na jurisprudência. Isso se deve, principalmente, à dificuldade de se definirem os limites das normas imunizantes, bem como à adoção de premissas teóricas distintas acerca da sua acepção jurídica e seus reflexos na interpretação dos preceitos do Direito Constitucional Tributário.

Falta de um precedente vinculante

Assim sendo, não é de hoje a controvérsia existente acerca da constitucionalidade da incidência do IPTU sobre imóveis de propriedade da União arrendados para concessionárias de serviço público. A dificuldade da questão reside no fato de que as empresas privadas, concessionárias ou permissionárias, se dedicam à exploração de atividade econômica, objetivando lucro. Sob essa ótica, como compatibilizar esse caráter com a prestação do serviço público, cuja meta é, simplesmente, o atendimento do interesse coletivo?

A despeito de haver inúmeros julgados do STF sobre os limites da imunidade tributária recíproca de bens públicos [2], inclusive em sede de repercussão geral, até o presente momento, não foi proferido nenhum precedente vinculante acerca da aplicação desse instituto às empresas privadas concessionárias de serviços públicos, notadamente no caso de bens públicos arrendados para esses particulares.

Importa destacar, ainda, que, a concorrência com particulares não é algo que necessita ser sopesado no presente caso. Logo, é notório o distinguishing dos demais precedentes do STF, que abordam a questão específica de o particular a quem o imóvel público foi concedido se beneficiar da imunidade, em detrimento de outros particulares que não usufruiriam do benefício.

Tema 1.297

Por essa razão, ante a impossibilidade de utilização dos precedentes já proferidos para sanar o imbróglio, em 19/4/2024, o RE nº 1.479.602/MG teve sua repercussão geral reconhecida, através do Tema 1.297. Nesse julgamento, o STF definirá o alcance da imunidade recíproca, prevista no artigo 150, VI, a, da Constituição [3], especificamente em relação aos imóveis de propriedade da União que sejam arrendados para concessionárias de serviço público praticarem as atividades que lhe foram concedidas.

Em um primeiro momento, pode-se sustentar que a imunidade sempre estaria assegurada quando o imóvel estivesse destinado à prestação de serviços públicos, ainda que realizados por particulares. Contudo, o §3º do artigo 150, da CF elenca as situações em que a imunidade recíproca não se aplicaria: patrimônio, renda e serviços, relacionados com a exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados; ou patrimônio, renda e serviços, ligados à exploração de atividades econômicas em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário.

Partindo dessas premissas, conclui-se, a priori, que haveria incidência do IPTU ao considerarmos a natureza jurídica do concessionário na “posse” do bem público, bem como ao examinar o seu intuito lucrativo. Nada obstante, seria infundado exigir, para fins de imunidade do bem imóvel cedido, que a empresa concessionária, além de executar a prestação de serviço público e sob regime de exclusividade, não visasse o lucro ou que o prestasse tais serviços sem a cobrança de tarifas. Isso porque a empresa concessionária é pessoa jurídica de direito privado, não integrante da Administração Pública Direta nem Indireta, constituindo a finalidade lucrativa um atributo inerente às suas atividades empresariais, não lhes escapando quando delegatárias de serviço público. Do contrário, como seria possível a manutenção da empresa?]

Para além disso, a tributação, nesse caso, oneraria não apenas as concessionárias, mas todo o arranjo institucional voltado à prestação de serviços públicos em regime de concessão. Evidente, portanto, que o ônus financeiro suportado pela União seria tamanho, que ocasionaria não apenas a própria inviabilidade da concessão, como também impactaria significativamente o valor final dos serviços públicos disponibilizados aos usuários.

Imunidade tributária seria justificável

De forma a trazer uma possível solução para a controvérsia e conferir segurança jurídica aos entes federativos e às concessionárias, o Parecer nº 00020/2024 sugere que o poder concedente, ao fazer a modelagem das concessões, defina as áreas passíveis de exploração econômica, sem vinculação às necessidades do serviço concedido – hipótese em que, caso implementada a atividade econômica, a imunidade recíproca poderá ser afastada e, consequentemente, haver o lançamento tributário por parte do município.

Outro ponto a ser ventilado para fins de delimitação da base de cálculo do imposto é a viabilidade de manutenção da imunidade recíproca mesmo em tais circunstâncias, considerando especificamente a área em que há efetiva exploração da atividade econômica.

De toda sorte, fato é que a imunidade tributária seria justificável, considerando que as concessionárias prestadoras de serviços públicos em regime exclusivo atuam como uma extensão das pessoas jurídicas de direito público que, por meio de lei, as instituíram e delegaram-nas a prestação da utilidade pública em benefício de toda a coletividade. Nessa perspectiva, tal qual a própria administração pública, estariam abarcadas pelas normas imunizantes.

Créditos: Conjur


[1] “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I – impostos;

II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

III – contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.”

[2] Temas de Repercussão Geral nº. 115, 224, 235, 385, 402, 412, 437, 508, 644, 685, 884 e 1140. No tema 115, “não foi fixada tese de repercussão geral, visto que a decisão de mérito do RE 580.264 vale apenas para o caso concreto, em razão de suas peculiaridades.”

[3] Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (…)

VI – instituir impostos sobre: (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;”

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