A atividade de franquias no Brasil sempre esteve envolta em um emaranhado de discussões jurídicas e tributárias. Por muitos anos, a natureza específica das franquias, que envolve a cessão de marca, know-how e suporte técnico, desafiou o enquadramento tradicional das obrigações tributárias. Não se tratava, rigorosamente, de uma obrigação de dar (como a entrega de bens), tampouco de uma obrigação de fazer (como a prestação de serviços no sentido estrito). Tal peculiaridade fomentou intensos debates acerca da incidência de tributos, culminando em dúvidas sobre a adequação do Imposto sobre Serviços (ISS) à atividade de franchising.
No entanto, em uma decisão paradigmática, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que a atividade de franquia configura, sim, prestação de serviços para fins tributários, consolidando a incidência do ISS sobre essas operações 1. Esse marco interpretativo trouxe estabilidade relativa ao setor. Contudo, com a reforma tributária em andamento e os novos tributos prestes a entrar em vigor, os desafios tributários para franqueadores e franqueados estão longe de serem solucionados.
O novo cenário tributário com IBS e CBS
A principal transformação trazida pela reforma tributária sobre o consumo consiste na substituição de tributos atualmente existentes por dois novos modelos: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Ambos, por sua essência, incidem indistintamente sobre operações que envolvem bens e serviços, eliminando as distinções atualmente existentes entre diferentes tributos.
1 Tema 300 – “É constitucional a incidência de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) sobre contratos de franquia (franchising) (itens 10.04 e 17.08 da lista de serviços prevista no Anexo da Lei Complementar 116/2003)” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 603.136. Relator: ministro Gilmar Mendes. Julgamento em 29 de maio de 2020, Disponível aqui).
Esse modelo traz profundas implicações para o setor de franquias. Primeiramente, a franquia será impactada pela dupla incidência tributária, uma vez que tanto o IBS quanto a CBS terão aplicabilidade ampla sobre transações de bens e serviços. A neutralidade prometida pela Reforma Tributária esbarra em peculiaridades do setor, que historicamente enfrenta dificuldades na compensação de créditos e débitos.
No âmbito das franquias, os insumos mais relevantes são a prestação de serviços (know-how, treinamento e suporte técnico) e a mão de obra, que, por sua natureza, não geram créditos tributários como ocorre em indústrias ou comércio. Assim, o setor de serviços – do qual as franquias são parte significativa – terá dificuldade no creditamento, o que aumentará substancialmente a carga tributária. Esse ônus será repassado, inevitavelmente, ao franqueado e, por fim, ao consumidor final.
A tributação da taxa de publicidade: outro nó a desatar
Outro ponto sensível é a tributação sobre a taxa de publicidade, um valor pago pelo franqueado ao franqueador para custear ações de marketing e publicidade. Essa verba, embora transitória – já que apenas passa pela conta do franqueador para ser destinada às campanhas publicitárias – pode acabar sendo tributada sob o novo regime. Isso se deve à dificuldade de se delimitar, na prática, a destinação final desses valores. Na teoria, a taxa de publicidade não deveria sofrer tributação, mas a prática tributária brasileira, frequentemente complexa e conflituosa, levanta dúvidas sobre a correta aplicação da lei em relação a esse ponto específico.
Planejamento tributário e transição ao novo sistema
A transição para o novo sistema tributário será gradativa, com a CBS já prevista para entrar em vigor em 2026 e um período de convivência entre o regime atual e o novo modelo tributário. Durante esse intervalo, tanto franqueadores quanto franqueados precisarão de planejamento minucioso para lidar com as novas regras.
Os franqueadores de produtos, que possuem maior flexibilidade para apropriação de créditos fiscais em suas cadeias produtivas, terão maior margem de manobra para mitigar os impactos da reforma. Já os franqueadores de serviços, que não contam com insumos tradicionais, deverão enfrentar maiores desafios tributários.
Por outro lado, os franqueados optantes pelo Simples Nacional enfrentarão um dilema estratégico: optar pela modalidade tradicional do Simples ou por uma versão alternativa que permite a incidência de IBS e CBS de forma segregada, possibilitando maior aproveitamento de créditos fiscais. Essa escolha terá reflexos importantes, principalmente no pagamento de royalties e na viabilidade econômica das operações.
Conclusão
A reforma tributária inaugura um novo capítulo no setor de franquias no Brasil, repleto de desafios e oportunidades. Com um planejamento tributário robusto e uma compreensão detalhada das mudanças, franqueadores e franqueados poderão navegar por esse cenário em transformação e garantir a sustentabilidade de seus negócios em um ambiente tributário mais complexo e dinâmico.
Créditos: Conjur