Nos últimos anos, o conceito de environmental, social and governance tem ganhado crescente relevância no mundo corporativo. Impulsionado pela pressão de investidores, consumidores e reguladores, o ESG se tornou essencial para que as empresas adotem comportamentos mais responsáveis e sustentáveis. Essa abordagem holística abrange três dimensões fundamentais: o cuidado com o meio ambiente (environmental), o compromisso com questões sociais (social) e a governança corporativa transparente e ética (governance). A integração desses princípios não apenas fortalece a reputação das empresas, mas também assegura a criação de valor a longo prazo [1].

No contexto jurídico-financeiro brasileiro, os precatórios desempenham um papel de destaque. Trata-se de ordens de pagamento emitidas pelo Judiciário para a quitação de dívidas de entes públicos, resultantes de condenações judiciais definitivas. Embora frequentemente considerados ativos financeiros, os precatórios envolvem questões que ultrapassam o campo econômico, afetando diretamente tanto o setor público quanto o privado [2].

Este artigo explora a relação entre ESG e precatórios, analisando como as empresas podem alinhar suas práticas de governança, responsabilidade social e sustentabilidade ao gerenciar esses ativos. A antecipação de precatórios, quando realizada de forma transparente e responsável, pode não apenas gerar benefícios financeiros, mas também contribuir para impactos sociais positivos, fortalecendo a reputação das empresas e promovendo desenvolvimento sustentável. Adicionalmente, serão discutidos os desafios e as oportunidades no alinhamento dessas práticas com os princípios ESG.

Governança e transparência na gestão de precatórios

A governança corporativa é um dos principais pilares do ESG, estando diretamente relacionada à maneira como as empresas conduzem suas operações e interagem com seus stakeholders, que incluem clientes, investidores, governos e a sociedade em geral. No caso dos precatórios, a transparência na gestão desses ativos financeiros é essencial para construir e manter a confiança dos stakeholders e para preservar a integridade da empresa [3].

Ainda no campo da responsabilidade social, Celso Furtado já alertava que “a desigualdade econômica é, muitas vezes, perpetuada por estruturas jurídicas e financeiras que não favorecem a redistribuição de recursos” [4]. No caso dos precatórios, esse cenário é evidente quando se observa a venda desses créditos por valores muito abaixo do seu valor de face, penalizando os credores mais vulneráveis, como aposentados e trabalhadores. Assim, as empresas que atuam na antecipação de precatórios têm a oportunidade de mitigar essa desigualdade ao garantir que o processo seja justo e que as práticas sejam sustentáveis, promovendo um impacto social positivo.

A gestão de precatórios requer uma abordagem ética e eficaz, especialmente no que tange à antecipação de pagamentos. Empresas que atuam nessa área, seja adquirindo precatórios de terceiros ou auxiliando clientes na antecipação de créditos, devem assegurar que suas práticas estejam em conformidade com princípios éticos e legais. Isso inclui garantir comunicação clara e honesta com todas as partes envolvidas. A adoção de políticas que evitem práticas predatórias ou abusivas também é parte essencial de uma boa governança corporativa, protegendo a empresa de litígios e melhorando sua reputação no mercado.

Além disso, a adoção de práticas transparentes na gestão de precatórios contribui para uma maior previsibilidade dos fluxos de caixa, o que é crucial para o planejamento estratégico de longo prazo. Integrar uma governança responsável na administração de precatórios não apenas fortalece a credibilidade da empresa, mas também oferece proteção contra riscos jurídicos e reputacionais [5].

Responsabilidade social e os impactos dos precatórios na sociedade

A dimensão social do ESG está ligada ao compromisso das empresas com o bem-estar da sociedade, de seus colaboradores e das comunidades em que atuam. A antecipação de precatórios, se realizada de maneira estruturada e responsável, pode gerar benefícios consideráveis, especialmente em situações em que o pagamento desses títulos afeta diretamente a população.

Quando os precatórios envolvem entes públicos, sua quitação pode liberar recursos que os governos podem reinvestir em áreas essenciais como saúde, educação e infraestrutura. Empresas que atuam no segmento de antecipação de precatórios desempenham um papel significativo ao facilitar a liberação desses recursos, contribuindo para o bem-estar social. Esse impacto positivo pode ser incorporado como parte de uma estratégia ESG, evidenciando o compromisso da empresa com o desenvolvimento social [6].

Além disso, as empresas comprometidas com ESG devem adotar uma postura justa e ética ao lidar com os clientes que dependem da antecipação de precatórios. Processos justos, que ofereçam valores compatíveis com as expectativas e necessidades dos beneficiários, são essenciais para evitar práticas abusivas, especialmente no caso de indivíduos em situação de vulnerabilidade financeira.

Sustentabilidade e o uso de recursos obtidos com precatórios

Embora a dimensão ambiental do ESG seja geralmente associada a práticas de preservação e conservação, ela também se refere à forma responsável de utilizar os recursos financeiros obtidos por meio da antecipação de precatórios. A liquidez imediata gerada por essas operações pode ser um instrumento para que empresas e governos invistam em iniciativas que promovam o desenvolvimento sustentável [7].

Outro problema recorrente associado à crise fiscal é o desvio de finalidade dos recursos públicos que deveriam ser destinados ao pagamento de precatórios. Muitas vezes, governos alocam esses valores para outras despesas, priorizando demandas de curto prazo e adiando indefinidamente a quitação das dívidas judiciais. Esse tipo de prática resulta na erosão da confiança institucional, prejudicando a relação entre o Estado e os credores e comprometendo a estabilidade jurídica.

A transparência fiscal e a responsabilidade no uso dos recursos públicos são elementos essenciais da boa governança, e empresas que atuam na antecipação de precatórios têm um papel importante a desempenhar ao exigir e promover essas práticas. Ao adotar uma postura de governança sólida e defender a transparência no setor público, essas empresas podem contribuir para a criação de um ambiente de negócios mais confiável e previsível, promovendo soluções que favoreçam tanto os credores quanto a sustentabilidade financeira dos entes públicos.

Dessa forma, a crise fiscal relacionada aos precatórios revela uma série de problemáticas que podem ser abordadas à luz do conceito ESG. As empresas que atuam nesse setor, ao adotarem práticas de governança responsável, promoverem a justiça social e utilizarem recursos de forma sustentável, podem não apenas mitigar os impactos negativos da crise, mas também se posicionarem como agentes de transformação em um cenário de incerteza, contribuindo para a construção de um futuro mais justo e sustentável.

Ao adotar essas práticas, as empresas também se alinham às expectativas de investidores e consumidores cada vez mais conscientes e exigentes em relação à sustentabilidade. Isso fortalece a reputação corporativa e cria um diferencial competitivo no mercado.[8]

Desafios e oportunidades no alinhamento de ESG com precatórios

Embora a integração dos princípios ESG na gestão de precatórios ofereça benefícios significativos, ela também traz desafios. Um dos principais obstáculos é garantir que as transações ocorram de forma ética e em conformidade com a legislação, evitando práticas que possam ser interpretadas como predatórias ou especulativas. Em cenários de incerteza sobre a quitação dos precatórios por parte de entes públicos, o risco de desvalorização excessiva desses créditos pode prejudicar credores mais vulneráveis.

Por outro lado, a adoção de uma abordagem ESG robusta oferece uma oportunidade para que as empresas se diferenciem no mercado. Aquelas que demonstram um compromisso real com práticas ESG na gestão de precatórios atraem investidores que buscam empresas responsáveis e com potencial de crescimento sustentável. Além disso, a governança forte e o compromisso social reduzem os riscos jurídicos e reputacionais, ao mesmo tempo em que geram valor a longo prazo.

Conclusão

A conexão entre ESG e precatórios apresenta uma oportunidade para as empresas explorarem novas fronteiras em termos de governança, responsabilidade social e sustentabilidade. Como defendido por Amartya Sen, “o desenvolvimento sustentável depende da habilidade de integrar as dimensões econômicas, sociais e ambientais em um sistema coeso e ético”.

Empresas que adotam essa abordagem em suas operações, especialmente no mercado de precatórios, podem não apenas maximizar seu valor econômico, mas também contribuir para o desenvolvimento de um sistema financeiro mais justo e sustentável.

Créditos: Conjur


[1] Eccles, R. G., & Serafeim, G. (2013). The Performance Frontier: Innovating for a Sustainable Strategy. Harvard Business Review.

[2] Amaral Júnior, J. (2020). Precatórios e a crise fiscal no Brasil. São Paulo: Atlas.

[3] Clark, G. L., Feiner, A., & Viehs, M. (2015). From the stockholder to the stakeholder: How sustainability can drive financial outperformance. University of Oxford.

[4] Furtado, C. (2005). Formação Econômica do Brasil. Companhia das Letras.

[5] Ferrell, A., Liang, H., & Renneboog, L. (2016). Socially responsible firms. Journal of Financial Economics.

[6] Freeman, R. E. (1984). Strategic Management: A Stakeholder Approach. Boston: Pitman.

[7] Elkington, J. (1997). Cannibals with Forks: The Triple Bottom Line of 21st Century Business. Oxford: Capstone Publishing.

[8] Porter, M. E., & Kramer, M. R. (2011). Creating Shared Value. Harvard Business Review.

Categorias