Aquele que, mediante remuneração, “empresta” o seu nome para que terceiros possam criar documentos ideologicamente falsos, com o propósito de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, poderá ser responsabilizado criminalmente pelos delitos de falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.
O crime de falsidade ideológica pode ser entendido como uma espécie de falsidade imaterial inserida em documento formalmente perfeito com o propósito de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante. É o documento formalmente perfeito, mas materialmente imperfeito, que foi produzido com objetivos escusos.
“Art. 299 – Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:”
No julgamento do RHC 77.510/DF, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 22/11/16, DJe de 7/12/16 restou comprovada a falsidade ideológica, cujo especial fim de agir foi caracterizado pela alteração dolosa de informação juridicamente relevante no contrato social da corporação:
“Extrai-se da peça acusatória que os denunciados alteraram contrato social a fim de fazer constar endereço diverso do verdadeiro onde se realizavam as atividades comerciais, a fim de que os carnês de IPTU e IPVA fossem destinados à vítima. Restou, assim, devidamente descrito na denúncia o especial fim de agir da falsidade ideológica.”
Trata-se de crime que independe de resultado naturalístico e, por ser instantâneo, a sua consumação ocorre no exato momento em que a fraude é praticada:
“A falsidade ideológica é crime formal e instantâneo, cujos efeitos podem vir a se protrair no tempo. A despeito dos efeitos que possam, ou não, vir a gerar, ela se consuma no momento em que é praticada a conduta.
(RvCr 5.233/DF, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 13/5/20, DJe de 25/5/20)”
Em sentido oposto, no AgRg no REsp 1.382.216/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 4/9/18, DJe de 12/9/18 foi analisado caso onde o termo inicial para a contagem do prazo prescricional foi contabilizado a partir do dia em que o fato criminoso se tornou conhecido:
“Não há falar em extinção da punibilidade pelo reconhecimento da prescrição, pois o termo inicial para a contagem do prazo nos crimes de falsidade é o dia em que o fato se tornou conhecido, nos termos do artigo 111, inciso IV, do Código Penal.
Assim, partindo da descoberta do ilícito (encaminhamento da declaração à JUCESP – julho de 2001) e, considerando o disposto no art. 109, IV, do CP, não houve o transcurso do prazo de 8 (oito) anos entre aquela data e o recebimento da denúncia (17/5/07), nem entre a sentença condenatória (24/7/12) até presente data.”
A competência para processar e julgar o delito de falsidade ideológica será, em regra, da Justiça Estadual. A exceção – JF – ocorrerá caso seja constatado que o delito foi praticado em detrimento de bens, serviços ou interesses da União.
No julgamento do CC 121.416/PA, relatora Ministra Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE), Terceira Seção, julgado em 12/12/12, DJe de 19/12/12 foi reconhecida a competência da JF, pois os acusados alteraram o contrato social da empresa com o objetivo de, junto à Polícia Federal, obter autorização para o funcionamento de empresa de segurança privada:
“A conduta dita criminosa foi perpetrada em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, já que houve a intenção direta de lesar a PF, o que atrai a competência da Justiça Federal para julgar o feito.”
Assim, diante da ocorrência de uma infração penal antecedente, as conseqüências subseqüentes são extremamente danosas, pois se o autor da falsidade ideológica obtém proveito econômico desse crime antecedente, e oculta ou dissimula a origem do proveito econômico advindo da falsidade, poderá ser responsabilizado, também, pelo crime de lavagem de dinheiro, conforme orientação jurisprudencial do STF:
“Havendo indícios de existência de organização criminosa voltada a prática de fraude fiscal estruturada, com delitos tributários e outros, como a falsidade ideológica, a demonstrar que os valores ocultados e dissimulados tiveram origem da prática de outros crimes, não há como se acolher a tese de inexistência de crime antecedente ao suposto delito de lavagem de capitais.
(AgRg no RHC 155.730/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 19/4/22, DJe de 26/4/22.)”
No julgamento do HC 436.024/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 12/6/18, DJe de 19/6/18 foi denegada ordem de habeas corpus que analisava a justa causa para a acusação criminal proposta pelos crimes de falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Confira trechos do voto exarado no referido writ:
“Consoante relatado, afirma o impetrante, em síntese, inépcia da inicial acusatória, por se tratar de denúncia genérica, sem a mínima exposição dos fatos, e falta de justa causa, em razão da ausência de provas da autoria dos pacientes na prática do crime de falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. (…)
Extrai-se da inicial acusatória que os ora pacientes foram denunciados pela prática de falsidade ideológica na elaboração do contrato social de EWS Brasil Participações Ltda., por terem inserido falsamente o nome da denunciada Elisama Lima de Souza na condição de sócia da referida empresa, mediante a promessa de pagamento da quantia mensal pelo “empréstimo do nome” (fl. 496), com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, isto é, a condição de verdadeiros sócios e proprietários da empresa EWS Brasil Participações Ltda., e M-COR Holding Ltda., ou seja, dos acusados Luiz Francisco Ribeiro Pinto e Ariane Riguette Pinto, em outubro de 2010 (fls. 498/499). (…)
Assim, conforme se observa da narrativa acusatória, encontra-se presente a necessária indicação dos fatos delituosos imputados aos pacientes, de modo que não se verifica a presença de quaisquer das situações que ensejam o trancamento da ação penal, restando devidamente demonstrado haver indícios mínimos de materialidade e autoria da imputação de falsidade ideológica e ocultação de bens. (…)
Com efeito, não há generalidade na denúncia acima transcrita, que individualiza a conduta dos pacientes, permitindo o pleno exercício da ampla defesa, em conformidade com o art. 41 do CPP.”
Diante do exposto, aquele que, mediante remuneração, “empresta” o seu nome para que terceiros possam criar documentos ideologicamente falsos com o propósito de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante poderá ser responsabilizado criminalmente pelos delitos de falsidade ideológica e lavagem de dinheiro.
Créditos: Migalhas Políticas
decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
lei 9.613, de 3 de março de 1998.
RHC 77.510/DF, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 22/11/16, DJe de 7/12/16.
RvCr 5.233/DF, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, julgado em 13/5/20, DJe de 25/5/20.
AgRg no REsp 1.382.216/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 4/9/18, DJe de 12/9/18.
CC 121.416/PA, relatora Ministra Marilza Maynard (Desembargadora Convocada do TJ/SE), Terceira Seção, julgado em 12/12/12, DJe de 19/12/12.
AgRg no RHC 155.730/RJ, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 19/4/22, DJe de 26/4/22.
HC 436.024/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 12/6/18, DJe de 19/6/18.
CC 81.261/BA, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, julgado em 11/2/09, DJe de 16/3/09.
CC 119.576/BA, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Seção, julgado em 9/5/12, DJe de 21/6/12.