A decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, de vetar o pagamento de honorários de êxito a escritórios no exterior por municípios brasileiros pode levar à rescisão dos contratos fechados com a banca britânica Pogust Goodhead em uma disputa bilionária em Londres.
Processos no exterior envolvem desastre de Mariana e Brumadinho
Segundo advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, há diversas irregularidades envolvendo os contratos que devem levar à rescisão, entre elas o pagamento por êxito e a contratação de escritório sem que tenha sido feita licitação.
Na segunda-feira (14/10), Dino determinou que os municípios que contrataram a banca britânica em litígios que tramitam no exterior envolvendo desastres ambientais apresentem os contratos. Mais do que isso, ele barrou o pagamento dos honorários de êxito por entender que contratos de risco com a administração pública são ilegais.
A disputa que tramita em Londres envolve os desastres de Brumadinho (MG) e Mariana (MG). A Pogust Goodhead representa cerca de 700 mil clientes na Justiça do Reino Unido, entre pessoas físicas, cerca de 50 municípios atingidos e organizações religiosas.
Trata-se de um dos maiores litígios do Judiciário daquele país, envolvendo cerca de R$ 230 bilhões. Os contratos estabelecem que a banca fica com 30% das indenizações em caso de vitória na Justiça. A ação coletiva está marcada para ser julgada no final deste mês.
Rescisão dos contratos
Werner Grau, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados, entende que a decisão liminar de Dino, por si só, não rescinde os contratos firmados entre os municípios e a banca inglesa — a liminar ainda irá a referendo do Plenário do STF. No entanto, afirma ele, comprovados a contratação sem licitação e os contratos de risco, a tendência é que o Supremo acabe por considerar esses acordos inconstitucionais.
“Em liminar, não me parece que é uma decisão que traslada no tempo, mas uma decisão de mérito certamente decidirá se é constitucional o ato em si. Dizendo não ser, aí nenhum desses contratos será válido. Sejam os anteriores ou os posteriores.”
De acordo com Grau, a questão de fundo que deve ser melhor examinada é a contratação de serviços jurídicos sem licitação, assim como o pagamento de honorários por cláusula de sucesso.
“Tem uma questão de fundo, que é o caso de os municípios contratarem sem licitação. Então, o primeiro ponto é a regularidade do contrato. O segundo ponto é o conteúdo. Tudo o que o município absorve em uma ação em que ele persegue o pagamento de verbas públicas, o fato de serem contratos por cláusula de sucesso, no meu modo de ver, caracteriza uma ofensa que levaria a uma desconstituição dos contratos.”
Paulo de Bessa Antunes, professor associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), também afirma que o entendimento corrente hoje é o de que a administração não pode contratar com cláusula de êxito.
“O contrato, no meu modo de entender, é nulo. Tem de ser por preço certo. Aliás, nenhuma grande empresa contrata mais por ‘êxito’, pois pode dar margem à corrupção. O ‘êxito’ viola normas de compliance.”
Ele destaca que a União é quem pode litigar em processos no exterior. E, quando isso ocorre, há uma lista de escritórios pré-selecionados pelo Itamaraty e uma licitação para escolher quem representará a administração.
O advogado cita a Lei 8.897/1994, segundo a qual a contratação de advogados ou especialistas deve ser autorizada pelo advogado-geral da União quando se trata de disputa fora do Brasil.
Decisão de Dino
Na decisão publicada na segunda, Dino afirmou que o Tribunal de Contas da União já decidiu em diversas ocasiões que a administração pública não pode firmar contratos de pagamento de honorários de êxito, que só são cobrados pelos advogados contratados caso obtenham sucesso no processo.
“Já decidiu o Tribunal de Contas da União, em sucessivos precedentes, constituírem as estipulações de êxito em contratos com a Administração Pública atos ilegais, ilegítimos e antieconômicos, ainda mais quando associados a elevadas taxas de retorno sobre o valor obtido em favor do Poder Público”, afirmou Dino.
“É pertinente a aferição quanto às condições em que Municípios brasileiros litigam diante de Tribunais estrangeiros, uma vez que este aspecto possui consequências para parcela do patrimônio público nacional e para a efetiva e integral reparação de danos perpetrados em solo brasileiro”, prosseguiu o ministro.
Pogust Goodhead
A atuação da banca britânica Pogust Goodhead em ações envolvendo desastres ambientais no Brasil tem levantado suspeitas sobre possíveis violações ao Estatuto da Advocacia, como a captação de clientela com base em promessas de causa ganha, além de contratações irregulares de serviços jurídicos por parte de municípios.
A ação coletiva envolvendo a BHP corre em Londres desde 2018, e o julgamento deve ter início em breve, a despeito de processos semelhantes estarem sob análise do Judiciário brasileiro.
O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) questiona no Supremo a participação de municípios no processo estrangeiro. Segundo a entidade, que representa o setor de mineração, a Constituição define como competência exclusiva do Senado autorizar operações financeiras no exterior, o que inclui litígios internacionais.
A atuação da banca britânica foi motivo de uma representação de cinco escritórios de advocacia brasileiros perante a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Assinaram o pedido Machado Meyer, Mattos Filho, BMA, Sérgio Bermudes e ALNPP.
Clique aqui para ler a decisão de Dino
ADPF 1.178
Créditos: Conjur